Brasil – O Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP anunciou a suspensão da venda de iPhones sem carregador em todo o Brasil
Entenda o Caso
Em acolhimento às razões da Nota Técnica nº 35/2022/CGCTSA/DPDC/SENACON/MJ, e considerando a gravidade e a extensão da lesão causada aos consumidores em todo o país, bem como a vantagem auferida pela Apple Computer Brasil LTDA com a supressão, desde o ano de 2020, de componente essencial ao funcionamento dos smartphones comercializados (carregadores de bateria), além da condição econômica da empresa, que figura no topo do ranking das empresas mais valiosas do mundo, nos termos do art. 57 da Lei nº 8.078, de 1990, e artigos 24 a 28, do Decreto nº 2.181, de 1997, o Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP, aplicou a sanção de multa no valor de R$ 12.274.500,00 (doze milhões duzentos e setenta e quatro mil e quinhentos reais), em razão da constatação da prática das seguintes infrações previstas pelo Decreto nº 2.181/97:
As Infrações
Venda Casada – A solução definida pela empresa não é adequada à finalidade que se propõe, uma vez que, como se demonstrou extensamente na Nota Técnica nº 35/2022/CGCTSA/DPDC/SENACON/MJ, não há demonstração efetiva de proteção ambiental ocorrida em solo brasileiro decorrente da prática adotada pela representada. A eficácia do meio adotado pela empresa não se demonstra à luz dos marcos normativos da Política Nacional do Meio Ambiente e da Política Nacional de Resíduos Sólidos (além de outros potencialmente abrangidos). Além disso, a medida de supressão do fornecimento dos carregadores de bateria não passa pelo teste da necessidade, porque não implica a menor restrição possível ao direito do consumidor à obtenção de um produto completo para uso. A representada, que continua a fabricar os carregadores de bateria, propaga, declaradamente, o discurso de que a escolha da compra foi passada ao consumidor, mas, na verdade, é ela quem decidiu o modo de fornecimento de seu produto. Não há elementos para considerar justificada uma operação que, visando, declaradamente, a reduzir emissões de carbono, acarreta a inserção no mercado de consumo de produto cujo uso depende da aquisição de outro, que é, também, comercializado pela empresa.
As Infrações
Venda de produto incompleto ou despido de funcionalidade essencial – Um produto vendido individualmente, não categorizado como acessório, apêndice ou atualização de outro bem, deve ser capaz, se bem durável, de realizar sua função, por longo período, exclusivamente com os componentes fornecidos conjuntamente em sua embalagem. A aptidão para que o bem atenda à finalidade específica a que se destina é um requisito necessário para que um produto não seja considerado defeituoso, por força do art. 18, § 6º, III, do CDC. Os smartphones introduzidos no mercado pela representada a partir da linha iPhone 12 não são comercializados como acessórios, atualizações ou apêndices de versões anteriores do mesmo aparelho, tampouco têm sua venda restrita a proprietários de outros aparelhos fabricados pela empresa. A infração que se apurou decorreu, então, da comercialização de produto com vício suficiente para, na forma do art. 12, IX, “d”, do Decreto n.º 2.181/97, ser considerado “impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina ou que lhe diminua o valor”. Se a utilidade de um bem depende de outro que não é fornecido pelo fabricante nem tem sua presença pressuposta na vida e no ambiente do consumidor, a não disponibilização simultânea do carregador em relação ao smartphone se torna ilícita.
As Infrações
recusa da venda de produto completo mediante discriminação contra o consumidor – O fator de discriminação adotado pela representada é, basicamente, renda, que permite a fidelização e a constante substituição de smartphones pelo mesmo consumidor no intervalo de poucos meses ou anos. Para a empresa, fornecer carregadores de bateria é dispensável, porque a fatia de público eleita por ela, ainda que significativamente minoritária, não precisaria daquele equipamento. Por se tratar de discriminação realizada com a finalidade de excluir o acesso ao carregador de bateria, entende-se que a conduta praticada pela empresa não contempla critérios juridicamente válidos para promover a distinção pleiteada por ela. Não se justifica, também, o argumento de que o preço do produto, por si só, é excludente, pois, especialmente no Brasil, em que crediários e parcelamentos são formas comuns de realização de contratos de compra e venda, a renda mensal do consumidor nem sempre corresponde aos bens por ele perseguidos.
As Infrações
transferência de responsabilidades a terceiros – A prática adotada pela representada implica dois tipos de transferência de responsabilidade: transferência da responsabilidade de fornecimento do carregador e transferência da responsabilidade ao Estado brasileiro e sua política cambial pela inexistência de redução de preços após a cessação do fornecimento do carregador. A primeira transferência se opera da representada para os fornecedores de carregadores de bateria compatíveis com os smartphones que são objeto deste processo. A aquisição desses bens perante outros fabricantes implicará outros contratos de consumo com novas atribuições de responsabilidade; como se reconhece que o carregador é parte integrante e necessária ao funcionamento do smartphone, a atribuição, exemplo gratia, da garantia contra os vícios redibitórios ao fabricante do segundo equipamento manifesta-se como forma cabal de transferência de responsabilidade. Quanto à segunda, o poder de monopólio de que dispõe a empresa numa estrutura de mercado apresentada como competição monopolística garante a ela uma larga margem para imposição de preço acima do custo marginal, em razão de sua diferenciação percebida no mercado em relação aos demais competidores. Sendo assim, o preço é predominantemente determinado por estratégia comercial em vez de correspondência estrita com os custos de produção.
Das penalidades
Por se tratar de múltiplas violações de normas de ordem pública, o Ministério da Justiça e Segurança Pública – MJSP, simultaneamente à aplicação da multa, determinou a cassação, junto ao órgão competente, de registro dos smartphones da marca iPhone introduzidos no mercado a partir do modelo iPhone 12, nos termos do art. 18, IV, do Decreto n.º 2.181/97, bem como a imediata suspensão, nos termos do art. 18, VI, do Decreto n.º 2.181/97, do fornecimento de todos os smartphones da marca iPhone, independentemente do modelo ou geração, desacompanhados do carregador de bateria.
O recurso
Cabe recurso da decisão, que foi publicada no Diário Oficial da União (Edição: 170 | Seção: 1 | Página: 68). O processo da Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon, órgão ligado ao Ministério da Justiça, foi aberto em dezembro de 2021.